segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Do outro lado do espelho

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Meu Deus, como são insondáveis os vossos desígnios! - exclamava, em silêncio, tentando colocar as idéias em ordem. Eu estava ali, convalescente, à feição de um dos muitos pacientes que tratara no Sanatório; vitima de uma loucura pacifica, percebia que entre mim e os meus ex-pacientes não existia grande diferença. A minha sensação de impotência era tamanha, que eu me sentia cada vez menor. De fato, eu precisava, o mais depressa possível, esquecer o que havia sido. Enquanto guardasse excessiva lembrança de mim, a depressão não me deixaria. No entanto, sem que eu pudesse precisar de onde vieram, pensamentos de reverência pela vida começaram a desabrochar em mim. Uma onda de novos sentimentos, a pouco e pouco, foi tomando conta do meu ser. Eu estava pensando apenas com a Verdade, deixando o Amor fora de minhas cogitações. 
Sim, eu era importante e portador da Chama Divina; não era importante pelo que havia sido, mas pelas possibilidades infinitas do que deveria ser. Deus tinha projetos especialíssimos para mim. Onde eu me encontrava, naquele exato momento, era o ponto central do Universo. O que existia de errado estava dentro de mim e não fora. Onde é que eu estava colocando a minha capacidade de amar e de ser útil? Eu carecia de retomar o trabalho. Lembrei-me de André Luiz, de suas narrativas em "Nosso Lar", quando, após certo período de refazimento nas regiões mais próximas da Crosta, o ex-cientista desencarnado, experimentando incontida necessidade de servir, não hesita em recomeçar limpando vômitos no Além, simples serviçal, candidato a enfermeiro. Olhando ao meu redor, não tive dificuldades para localizar uma vassoura que parecia à minha espera.
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trecho de livro de Carlos Bacelli e Inácio FerreiraL

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