segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Encontro de Inácio com a mãe

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Por onde andaria o espírito de minha mãe? Ninguém ainda me falara nada a respeito dela. De formação católica, certamente estaria numa região diferente do Plano Espiritual, constituído de dimensões que se interpenetram. A figura carinhosa de minha mãe demorou-se em minha mente e, sem que eu soubesse explicar - aliás, o muito que não sei explicar do que sucede deste Outro Lado da Vida é o atestado mais eloqüente de minha mais completa ignorância -, tive-a diante de mim, como se a minha lembrança dela a tivesse materializado no quarto.
Sorrindo-me, a querida genitora, que sempre me aceitara a condição de espírita em silêncio e que tivera uma vida de grande renúncia, saudou-me: —Inácio, meu filho, finalmente pude vê-lo! —Mamãe, mas como à senhora está bem! Estarei vendo uma miragem? —Não, filho, sou eu mesma, a sua mãe Maricá. Não pude vir antes. Quis que você me visse diferente. De fato, a minha velha mãe havia se transfigurado: - não estava já curvada pelo peso da idade; já não mostrava tantas rugas no rosto; havia readquirido o brilho nos olhos e trajava-se de maneira elegante.
Diante de minha mãe tão moça, eu me envergonhei. Num átimo, desfiaram pela minha mente os meus atritos com ela na maneira rude com que, por vezes, a tratava. O homem não pode mesmo se considerar num patamar social superior, que começa a oprimir os semelhantes. Como era dependente de mim, eu me julgava no direito de repreendê-la. Talvez, em parte, agisse assim por timidez; eu me sentia incapaz de abraçá-la e de beijá-la. Todos os dias, saindo de sua casa nos fundos da minha, a boa velhinha vinha me ver;  quando eu adoecia e me recolhia ao pavimento superior, ela subia as escadas com dificuldade, para me abençoar e verificar se nada estava me faltando.
—Mamãe - disse-lhe -, a senhora me perdoe. —Perdoar o quê, Inácio?! Eu o compreendia. As suas lutas eram muito grandes. Não podia entender os seus assuntos e, então, me calava. Eu o reparava tão assoberbado, que me resignava a orar por você, temendo pela sua integridade.
—E eu a supunha intelectualmente inferior.
—Era e continuo sendo meu filho. Tenho consciência disto. Por vezes, tentava folhear um dos seus livros, mas os temas envolvendo Psiquiatria e Espiritismo não me entravam na cabeça e, depois, aquela sua arenga com os padres.
 —Como nos equivocamos, não é, mamãe?
 —É só quase o que fazemos na Terra, meu filho: equivocarmos-nos! Achamos que somos mais que os outros. Lamentável engano! - disse, num suspiro.
 —Por vezes, eu chego a pensar que a vida da senhora era inútil. Entenda-me: inútil para o seu espírito: a senhora não saía de casa, não lia, não se interessava pelos acontecimentos. A senhora mal chegava ao portão, mamãe!
 —Mas eu pensava Inácio, pensava e orava. Trabalhava com o pensamento, vagueando a incomensuráveis distâncias.
As mães não apenas amam: as mães igualmente raciocinam. Espiritualmente, eu tentava-me disciplinar. Não acredite você que eu fosse tão vazia de idéias quanto aparentava. O velho é marginalizado dentro de casa. É marginalizado pelos seus, mas a marginalização social é um excelente exercício de humildade. A gente é obrigada a desenvolver a auto-estima e se introjetar. Introjetar!
Quando eu poderia ouvir dos lábios de minha mãe uma palavra como aquela.
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trecho do livro "Do outro lado do espelho" de Carlos Bacelli e Inácio Ferreira

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