domingo, 20 de janeiro de 2013

Do outro lado do espelho

.....
Cumprimentando-nos à maneira dos antigos cristãos, irmão José dirigiu-nos a palavra.
—Graças ao senhor, a nossa missão foi coroada de êxito. Não era, como nunca foi nossa intenção afrontar os nossos irmãos que vivem rebelados, cuja liberdade de escolha precisamos respeitar. A intenção do bem não é a de submeter o mal, mas sim, a de convencê-lo a respeito da transitoriedade de tudo que se opõe à ordem natural das coisas. Todavia os nossos companheiros afastados das sendas em que nos redimimos, não esmorecerão em seus propósitos de dominação. Assim, convém que, periodicamente, continuemos a alertar os nossos irmãos de ideal que labutam na seara do cristianismo redivivo. Estamos longe da vitória definitiva.
Carecemos todos os dias, trabalhar o nosso íntimo para que não venhamos a tropeçar nas sombras dos próprios equívocos. O exercício das virtudes esquecidas nos garantirá o equilíbrio na tarefa à qual nos consagramos. O simples hábito de orar, a reflexão, a paciência, a solidariedade, o perdão, a renúncia, o silêncio, as atividades doutrinárias que muitos consideram insignificantes ou menores nas casas espíritas - enfim, o testemunho pessoal da fé no cotidiano, com base em nossa melhoria íntima, deve ser ressaltado entre os companheiros que, por vezes, negam a si mesmos o pão capaz de lhes alimentar o espírito. É, pois, justo que cogitemos de empreendimentos mais amplos no campo da difusão espírita e que nos organizemos na cúpula do movimento, todavia auxiliemos os nossos confrades a não se esquecerem de seus comezinhos deveres, na vivência da mensagem destinada a falar às consciências adormecidas. Quem muito se expõe e não cuida de sua cidadela íntima é mais suscetível à influência das trevas, que, não raro, costumam abatê-lo em pleno vôo. 
Fazendo breve intervalo, irmão José rematou: 
—Os nossos companheiros de ideal andam excessivamente distraídos de si, olvidando que a doutrina que se dirige aos modernos gentios do mundo é dirigida primordialmente a nós, que somos chamados à pregação do exemplo - do exemplo que nos defenderá contra o fantasma da ilusão de vidas passadas que nos assombra o subconsciente. A teoria espírita é fascinante, mas não podemos nos consentir excessivo raciocínio em detrimento da fé - o objetivo da revelação é o conhecimento para a transformação. Antes, pois, que nos seja um facho resplandecente nas mãos, iluminando caminhos exteriores, que o espiritismo nos clarifique por dentro. Daí a necessidade de, valendo-nos do concurso da mediunidade, sempre alertarmos os que vêem na terceira revelação uma filosofia existencial, mais que uma ética comportamental; se a doutrina espírita não colabora para a melhoria do homem, ela não estará cumprindo com a sua finalidade e o senhor providenciará o seu desaparecimento. 
Sem que me oferecesse tempo para qualquer questionamento, o benfeitor, ao despedir-se, falou-me: 
—Inácio, meu filho, não esmoreça na luta. Conheço os seus anseios e admiro a sua autenticidade de espírito. Uma tarefa nos torna grandes, não pelo seu tamanho, mas pela maneira com que nos dispomos a cumprir as nossas mais comezinhas obrigações. Deus, que está no sol, igualmente está no grão de areia que o reflete. Se tivermos olhos de ver, a corola de uma flor poderá nos ensinar toda a verdade do universo. Alegre-se e sirva. Se detivesse diante dos percalços da jornada, o humilde filete de água que principia a correr entre as frinchas da rocha não alcançaria o oceano! Com leve aceno de mão e o sorriso de sempre, irmão José partiu, deixando-me com os olhos repletos de lágrimas. Em poucas palavras, ele me dissera tudo.
.......

do livro "Do outro lado do espelho" , de Carlos Bacelli, pelo Espírito Inácio Ferreira. 

Nenhum comentário: