quarta-feira, 18 de junho de 2014

Ecologia interior

por Frei Beto

Por um minuto, esquece a poluição do ar e do mar, a química que contamina a Terra e envenena os alimentos, e medita: como anda o teu equilíbrio eco biológico? Tens dialogado com teus órgãos interiores? Acariciado o teu coração? Respeitas a delicadeza de teu estômago? Acompanhas mentalmente teu fluxo sanguíneo? Teus pensamentos são poluídos? As palavras, ácidas? Os gestos, agressivos? Quantos esgotos fétidos correm em tua alma? Quantos entulhos – mágoas, ira, inveja – se amontoam em teu espírito?

       Examina a tua mente. Está despoluída de ambições desmedidas, preguiça intelectual e intenções inconfessáveis? Teus passos sujam os caminhos de lama, deixando um rastro de tristeza e desalento? Teu humor intoxica-se de raiva e arrogância? Onde estão as flores do teu bem-querer, os pássaros pousados em teu olhar, as águas cristalinas de tuas palavras? Por que teu temperamento ferve com freqüência e expele tanta fuligem pelas chaminés de tua intolerância?

      Não desperdiça a vida, queimando a tua língua com as nódoas de teus comentários infundados sobre a vida alheia. Preserva o teu ambiente, investe em tua qualidade de vida, purifica o espaço em que transitas. Limpa os teus olhos das ilusões de poder, fama e riqueza, antes que fiques cego e tenhas os passos desviados para a estrada dessinalizada dos rumos da ética. Ela é cheia de buracos e podes enterrar o teu caminho num deles.

    Tu és como eu, um ser frágil, ainda que julgues fortes os semelhantes que merecem a tua reverência. Somos todos feitos de barro e sopro. Finos copos de cristal que se quebram ao menor atrito: uma palavra descuidada, um gesto que machuca, uma desconfiança que perdura.
    
Graças ao Espírito que molda e anima o teu ser, o copo partido se reconstitui, inteiro, se fores capaz de amar. Primeiro, a ti mesmo, impedindo que a tua subjetividade se afogue nas marés negativas. Depois, a teus semelhantes, exercendo a tolerância e o perdão, sem jamais sacrificar o respeito e a justiça.
    
Livra a tua vida de tantos lixos acumulados. Atira pela janela as caixas que guardam mágoas e tantas fichas de tua contabilidade com os supostos débitos   de outrem. Vive o teu dia como se fosse à data de teu renascer para o melhor de ti mesmo – e os outros te receberão como dom de amor.
    
Pratica a difícil arte do silêncio. Desliga-te das preocupações inúteis, das recordações amargas, das inquietações que transcendem o teu poder. Recolhe-te no mais íntimo de ti mesmo, mergulha em teu oceano de mistério e descobre, lá no fundo, o Ser Vivo que funda a tua identidade. Guarda este ensinamento: por vezes, é preciso fechar os olhos para ver melhor.
    
Acolhe a tua vida como ela é: uma dádiva...  Faze dela uma aventura amorosa. Não sofras por dar valor ao que não merece importância. Trata a todos como igual, ainda que estejam revestidos ilusoriamente de nobreza, ou se mostrem realmente como seres carcomidos pela miséria.
    
Faze da justiça o teu modo de ser e jamais te envergonhes de tua pobreza, de tua falta de conhecimentos ou de poder. Ninguém é mais culto do que o outro. O que existe são culturas distintas e socialmente complementares. O que seria do erudito sem a arte culinária da cozinheira analfabeta? Tua riqueza e teu poder residem em tua moral e dignidade, que não têm preço e te trazem apreço.
    
Porém, arma-te de indignação e esperança. Luta para que todos os caminhos sejam aplainados, até que a espécie humana se descubra como uma só família, na qual todos, malgrado as diferenças, tenham iguais direitos e oportunidades. E esteja convicto de que convergimos todos para Aquele que, supremo Atrator, impregnou-nos dessa energia que nos permite conhecer a abissal distância que há entre a opressão e a libertação.
   
 Faze de cada segundo de teu existir uma oração. E terás força para expulsar os vendilhões do templo, operar milagres e disseminar a ternura como plenitude de todos os direitos humanos. Ainda que estejas cercado de adversidades, se preservares a tua ecobiologia interior, serás feliz, porque trarás em teu coração tesouros indevassáveis.

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MM

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