domingo, 20 de março de 2016

O Materialismo Espiritual e o Ego

– 2ª Parte

O Materialismo Espiritual e o Ego – 2ª Parte – 18.03.2016

— Estamos aqui para aprender um pouco sobre espiritualidade.

Temos de confiar na qualidade autêntica desta busca, mas é preciso questionar sua natureza. O problema é que o ego consegue transformar todas as coisas visando ao seu uso próprio, inclusive a espiritualidade. O ego está constantemente tentando adquirir e aplicar os ensinamentos da espiritualidade em benefício próprio. Os ensinamentos são tratados como uma coisa externa, externa a “mim”, uma filosofia que procuramos copiar. Na realidade, não desejamos identificar-nos com os ensinamentos ou “vir a ser” os ensinamentos.

Assim, quando o nosso Mestre Interior fala em renúncia do ego, tentamos imitar essa renúncia. Cumprimos as formalidades, fazemos os gestos apropriados mas, na verdade, não queremos sacrificar parte alguma do nosso modo de vida. Tornamo-nos atores habilidosos e, ao mesmo tempo que brincamos de surdos-mudos com o verdadeiro significado dos ensinamentos, encontramos algum conforto fingindo seguir o caminho. Sempre que começamos a sentir qualquer discrepância ou conflito entre as nossas ações e os ensinamentos, imediatamente interpretamos a situação de modo a abrandar o conflito. O intérprete é o ego no seu papel de conselheiro espiritual.

A situação se parece com a de um país em que Igreja e Estado sejam separados. Usando um exemplo metafórico: Se a política do Estado estiver afastada dos ensinamentos da Igreja, a reação automática do rei é dirigir-se ao chefe da Igreja, seu conselheiro espiritual, e pedir-lhe a bênção. O chefe da Igreja arquiteta alguma justificativa e confere sua bênção à política, a pretexto de ser o rei o protetor da fé. Em nossa mente, as coisas se processam assim, muito bem arrumadas, sendo o ego, ao mesmo tempo, rei e chefe da Igreja. Se é para se atingir a verdadeira espiritualidade, essa justificação do caminho espiritual e das nossas ações deve ser transpassada. Entretanto, não é fácil lidar com essa justificação porque todas as coisas são vistas através do filtro da filosofia e da lógica do ego, que faz com que tudo pareça arrumado, preciso e muito lógico. Para cada pergunta, tentamos encontrar uma resposta que se autojustifique.

A fim de nos tranquilizar, procuramos adaptar ao nosso esquema intelectual todos os aspectos de nossa vida que possam trazer confusão. E o nosso esforço é tão sério e solene, tão direto e sincero que é difícil suspeitar dele. Confiamos sempre na “integridade” do nosso conselheiro espiritual. Não importa o que possamos usar para chegar à autojustificação: a sabedoria dos livros sagrados, diagramas ou mapas, cálculos matemáticos, fórmulas esotéricas, religião fundamentalista, psicologia profunda, ou qualquer outro mecanismo.

Toda vez que começamos a fazer avaliações, decidindo se devemos ou não fazer isto ou aquilo, já teremos associado nossa prática ou nosso conhecimento a categorias contrapostas umas às outras, e isso é materialismo espiritual, a falsa espiritualidade do nosso conselheiro espiritual.
Toda vez que temos uma noção dualística como, por exemplo: “Estou fazendo isto porque quero atingir um determinado estado de consciência, um determinado estado de ser”, automaticamente nos separamos da realidade do que somos. Se perguntarmos a nós mesmos: “Que há de mau em avaliar, que há de mau em tomar partido?”, a resposta será que, quando formulamos um juízo secundário: “Eu devia estar fazendo isto e devia evitar fazer aquilo”, estamos atingindo um nível de complicação que nos faz enveredar por um longo caminho, afastando-nos da simplicidade básica do que somos. A simplicidade da meditação significa apenas vivenciar o instinto do ego.
Se algo além disso é superposto à nossa psicologia, ela se toma uma máscara muito pesada e espessa, uma armadura. É importante notar que o aspecto principal de qualquer prática espiritual é deixar para trás a burocracia do ego, isto é, deixar para trás o constante desejo do ego de adquirir uma versão mais elevada, mais espiritual, mais transcendental do conhecimento, da religião, da virtude, do julgamento, do conforto ou de qualquer particularidade que um determinado ego esteja procurando. Precisamos deixar para trás o materialismo espiritual.

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